Skull and Bones - Análise

Perdido no mar.

Antes de começar a falar sobre Skull and Bones, é necessário deixar algo bem claro logo à partida. Skull and Bones não é Assassin’s Creed: Black Flag, nem o tenta ser em qualquer ponto. Ainda que se tenha inspirado e partilhe algumas mecânicas com o jogo de 2013, Skull and Bones é um simulador de batalhas navais, atolado de elementos live-service e mecânicas típicas de um MMO.

Isto significa que não vamos ter combates corpo-a-corpo, momentos acrobáticos de assalto a outros navios, ou boa parte de ação que já vimos em Black Flag. Em Skull and Bones somos o nosso barco e o nosso personagem não passa de um acessório onde podemos pendurar microtransações.

Skull and Bones não esconde a sua estrutura live-service, colocando-a em primeiro plano, de uma forma que chega a ser cínica. A nossa aventura pelo mar Índico começa com uma batalha contra uma frota de navios franceses, que acaba no nosso naufrágio. Sem um barco que se preze, somos forçados a aliar-nos a Scurlock, um pirata bem conhecido que nos guia nos nossos primeiros momentos e que serve de âncora narrativa para a primeira metade da campanha.

Sem vergonha, Scurlock explica-nos que para sermos um bom pirata, temos de fazer várias atividades, e que isso nos ajudará a ficar famosos, numa alusão descarada ao sistema de níveis de Skull and Bones. Regra geral, os sistemas de gameplay adaptam-se à narrativa de forma orgânica, em Skull and Bones parece acontecer o contrário: todo o jogo se alicerça nos elementos live-service.

Os menus de personalização do nosso personagem ou barco são outro exemplo deste cinismo, com as microtransações a marcarem presença ao lado dos nossos itens cosméticos já desbloqueados, como que a convidar-nos para a sua compra.

Voltando a Scurlock e à narrativa do jogo, esta serve acima de tudo para nos guiar e introduzir aos sistema de gameplay do endgame. Isto traduz-se numa campanha insípida e repetitiva, onde nenhuma das nossas ações tem qualquer impacto na história e facilmente nos esquecemos do que estamos a fazer, até porque, mecanicamente, as missões são praticamente todas iguais - e este problema agrava-se quanto mais jogamos. As missões resumem-se em ir do ponto A ao ponto B, afundar o barco C ou atacar o forte D. As ocasionais caças ao tesouro são demasiado supérfluas para manter o interesse após a segunda ou terceira atividade do género e depois de progredir um bom bocado na campanha, dei por mim a usar o fast-travel para cortar algumas horas de navegação.

Ainda assim, navegar nos mares de Skull and Bones é uma experiência relaxante na maior parte do tempo. Graficamente, Skull and Bones não estabelece um novo padrão, mas a sua direção artística é notável. As duas cidades onde podemos desembarcar têm muita personalidade e identidade, e as paisagens do jogo também são de encher o olho. Navegar com o sol a cair no horizonte, por canais estreitos ladeados por montanhas, ou nas águas transparentes da costa africana são alguns dos pontos de destaque do jogo.

Ao leme do nosso barco e com paisagens destas é fácil esquecer alguns dos maiores problemas do jogo, ainda que por momentos. Controlar os navios de Skull and Bones é fácil e agradável, com mecânicas arcade simples e descomplicadas. Temos três níveis de velocidade, com o mais elevado a consumir stamina - algo que pode ser facilmente ignorado com uso de itens - e nem mesmo os canhões dão qualquer dor de cabeça, sendo incrivelmente fáceis de apontar. Temos vários tipos de armas à escolha, cada uma delas com as suas vantagens e desvantagens: os morteiros são lentos mas causam destruição numa larga área, os canhões longos são ótimos para tiros certeiros a longas distâncias, e para quem gosta de levar a luta até bem perto dos adversários, também há outras opções, que funcionam como uma espécie de shotgun.

Temos também canhões que podem curar os nossos aliados, infligir Status Effects nos adversários e diferentes tipos de navios, que ocupam os tradicionais papéis de um RPG de ação - Tank, Suporte e DPS. Infelizmente, como o jogo usa um sistema de Power Level, a seleção viável de navios está limitada aos que têm uma base mais forte, o que limita as nossas opções, caso queiramos embarcar nas aventuras mais desafiantes.

Skull and Bones tem no combate o seu ponto forte. Seguindo uma essência arcade, é simples e genuinamente divertido. Manobrar o nosso barco pelas ondas, posicioná-lo para fazer uso das armas da proa, estibordo e bombordo, ao mesmo tempo que dançamos para evitar o fogo inimigo é aliciante, seja contra um navio isolado ou contra frotas inteiras. Destruir as velas de um adversário para depois lhe acertar com um salvo de tiros de canhão em cheio é absolutamente delicioso e os bosses ou alvos especiais conseguem tornar esta experiência ainda mais desafiante, ainda que enfadonha em alguns momentos, com navios que são autênticas esponjas de balas de canhão.

Já os diferentes tipos de armas traduzem-se em estilos de jogo únicos e há um bom sentido de progressão neste capítulo até as coisas se tornar mais penoso no endgame. Até lá, não faltam vítimas para afundar no mar, sejam piratas, membros da marinha ou navios mercantes.

Os gráficos podem não ser de ponta, mas não deixam de pintar bonitas paisagens.

Maré Baixa

Chegando ao endgame, o loop de Skull and Bones torna-se desnecessariamente pesado e monótono. A meio da campanha, é nos apresentado o Helm, o sistema de endgame que combina duas atividades. Resumidamente: numa delas, temos de erguer o nosso império de produção de produtos ilícitos; na outra temos de contrabandear mercadorias por vários pontos no mapa.

Teoricamente, este sistema tem potencial para ser mais interessante do que é: há uma camada de gestão e planeamento onde podemos tomar controlo de diferentes fábricas, mas para as conquistar temos de esperar por eventos aleatórios e combater contra outros jogadores. Depois, a sua produção está limitada por tempo, forçando-nos a deslocar-nos pessoalmente a cada uma das fábricas que controlamos para recolher as Pieces of Eight, a moeda do endgame. Para agravar a situação, também temos que financiar a produção destas fábricas através de prata, a moeda normal do jogo. Ao investir esse dinheiro, as fábricas trabalham durante um determinado período de tempo, e quando esse tempo chega ao fim, é necessário investir mais dinheiro: o detalhe importante é que temos que esperar que o tempo de financiamento chegue ao fim para voltarmos a investir numa fábrica, obrigando-nos a voltar ao jogo regularmente.

A ideia é boa, mas exige imenso tempo e tem muitos elementos que precisam de ser ajustados.

A maior parte destas atividades também têm uma componente PvP inevitável, e que neste momento, pode ser facilmente abusada por jogadores mais sujos, ou criativos, dependendo do ponto de vista - afinal, não há honra entre piratas e ladrões. É incrivelmente frustrante perder a minha carga para um grupo de jogadores que usa e abusa das mecânicas de Fast Travel para me emboscar, enquanto essa funcionalidade não me é acessível enquanto transporto Pieces of Eight.

É fácil perceber que estas mecânicas foram feitas para nos manter presos a Skull and Bones, ou a voltar constantemente para verificar as nossas fábricas. É um sistema semelhante ao que podemos encontrar num jogo mobile, e tendo em conta que os melhores armamentos apenas podem ser comprados com a moeda Piece of Eight e que não são nada baratos, temos um grind absolutamente brutal à nossa frente.

O tráfego de contrabando acaba por se tornar monótono após algum tempo.

Olhando para Skull and Bones, é impossível não ter em conta o contexto em torno do jogo. Os conturbados anos de desenvolvimento, marcados por várias trocas de diretores criativos tiveram um duro impacto no jogo. Yves Guillemot, CEO da Ubisoft, defendeu o preço do jogo, apelidando-o de “AAAA” e ainda que possa ser injusto avaliar um jogo pelo seu preço, a verdade é que é impossível ignorar totalmente a etiqueta. Não é um preço baixo que transforma um jogo mediano numa obra-prima, nem o contrário acontece, mas Skull and Bones tem dificuldades em justificar o custo de entrada que apresenta, especialmente tendo em conta toda a estrutura live-service e o que isso implica. Até fico com a ideia de que a Ubisoft guardou conteúdo no lançamento para depois o introduzir gradualmente durante as próximas temporadas do jogo.

Uma coisa é certa, Skull and Bones não é um jogo AAAA. Não o é agora, e certamente não o será no futuro.

Não obstante a monotonia e mecânicas pesadas, não posso dizer que não me tenha divertido em Skull and Bones em alguns momentos. Atravessar meio mapa à procura de uma cidade específica para descobrir uma receita de um barco que quero construir, enquanto enfrento ondas gigantes no alto mar e evito piratas letais é genuinamente entusiasmante. A gratificação de definir o meu próprio objetivo e ir atrás dele é fantástica, mas não há oportunidades suficientes que me deixem agarrado durante muito tempo.

Cumprir a fantasia de ser um pirata é um prazer culpado para muita gente, eu incluído, e tenho a certeza que Skull and Bones vai ser capaz de conquistar uma base de fãs significativa, mas para já, oferece muito pouco. Acredito que no fundo deste mar, há tesouros que podem ser resgatados, mas a Ubisoft terá de nadar bastante contra a corrente para transformar Skull and Bones num jogo que valha as horas que nos exige.

Veredito

Depois de uma longa travessia num mar revolto, Skull and Bones chegou a bom porto. Não é o desastre que muitos agoiravam, mas também não oferece uma experiência marcante. Há aspetos positivos e genuinamente divertidos, como o combate ou a direção artística, mas estes são engolidos pelo pântano dos elementos live-service e pelo tempo que injustamente exige aos jogadores.

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5
Medíocre
Skull and Bones é um barco à deriva, perdido num mar impiedoso. Tem algumas ideias interessantes e um combate divertido, mas isso não chega para se soltar das amarras da pesada estrutura live-service, que extorque o tempo dos jogadores sem piedade.
Skull and Bones