Senua's Saga: Hellblade II - Análise

A teia da escuridão.

Antes de começar a tecer qualquer consideração sobre Senua’s Saga: Hellblade 2, tenho que avisar que me será impossível evitar spoilers. Ainda que tipicamente os tente evitar a todo o custo, por muito que me esforce nesta análise, não creio que seja possível não levantar em demasia o véu sobre o novo capítulo de Senua. E já que estou a partilhar avisos, recomendo que antes de considerarem visitar o segundo jogo, experienciem o primeiro, pois é absolutamente essencial para contextualizar e compreender o inferno de Senua.

Começando pelo mais evidente, Hellblade 2 é uma sequela direta do primeiro jogo em todos os sentidos: no mais óbvio, no qual dá continuidade à narrativa que gira em torno de Senua, mas também num nível mecânico e conceptual. O Ninja Theory seguiu à risca a receita que usou no primeiro jogo, sem trocar os ingredientes, mas de alguma maneira, conseguiu ainda elevar a qualidade daquilo que Sacrifice tinha de melhor.

Graficamente, Hellblade 2 é possivelmente o jogo mais impressionante a nível visual que alguma vez joguei na vida. Num PC bem apetrechado, com uma Nvidia GeForce 4080 e um processador i5-13600, consegui correr Hellblade sempre acima dos 100 frames por segundo, numa resolução 2K, sem qualquer problema de performance, excetuando uma ou outra rara quebra na taxa de atualização, que mal se fizeram sentir. Com todas as definições no máximo, cada paisagem é um verdadeiro tratado daquilo que é possível criar num videojogo, dos penhascos da Islândia, ora rasgados por raios de sol que afastam a escuridão, ora mergulhados em tenebrosas tempestades, às entranhas das suas caves e praias de areia negra. Do primeiro ao último momento de Hellblade 2, não há um local que não seja de cortar a respiração, pela beleza ou pela repulsa.

Um dos muitos cenários de pura beleza de Hellblade 2.

A mesma dose de precisão e arte é aplicada ao design das personagens. Chega a ser assustadoramente real, cada espasmo, contração dos lábios, gota de suor na face - não há um pormenor que tenha escapado à mestria do estúdio, que exibe magistralmente os sentimentos das personagens do jogo, ajudado pela fantástica performance de todos os atores deste elenco.

Destaque inevitável também para as vozes que acompanham Senua. As Furies, como Senua as conhece, atormentam-a constantemente e mais uma vez - não me caso de o dizer - a capacidade técnica do Ninja Theory é impressionante. Fazendo uso de tecnologia binaural, o estúdio injeta diretamente as vozes na nossa cabeça. Se Senua não tem paz, nós também não a vamos ter; se Senua sente que não é capaz, a dúvida alastra-se como um parasita na nossa cabeça; se o medo engole Senua; os gritos de pânico e ansiedade ecoam no fundo da nossa mente. É uma sensação absolutamente avassaladora, opressora e claustrofóbica, que cria uma tensão palpável. Por mais do que uma vez, senti a minha pulsação subir, não em antecipação a um qualquer jump scare, mas por sentir uma inexplicável energia nervosa debaixo da pele.

A fusão do brilhante design visual com um design de som assombroso, resulta num mundo real e credível, que em parte alguma parece inverosímil, mesmo quando Senua balança perdidamente na linha que separa a realidade do que é imaginário. Tal como acontece no primeiro Hellblade, as ilusões fazem parte dos puzzles que temos de decifrar para seguir em frente. Mecanicamente, são bastante simples e envolvem encontrar padrões no ambiente ou caminhos através de peças que alternam obstáculos, algo que não difere do primeiro jogo. Ainda que acarretem um significado metafórico que vai ganhando forma à medida que progredimos no jogo, gostava que o Ninja Theory tivesse explorado novas ideias neste sentido.

Mesmo nestes momentos, a tensão nunca dá tréguas.

O mesmo se aplica ao combate: mais uma vez, a fórmula é similar em termos mecânicos, mas ganha outra dimensão graças à beleza hipnótica da violência visceral do jogo. Cada corte deixa a sua marca nos adversários, os grunhidos de dor e de raiva abafam as vozes, que gozam com os nossos falhanços e se exaltam com os golpes certeiros e as animações estão sublimes, mesmo quando interrompemos um ataque para executar uma esquiva. O combate aqui serve não só para limpar o palato das zonas de exploração lineares, mas também para coroar os momentos de tensão com uma brutalidade ímpar.

Estamos todos feridos

Neste novo capítulo, Senua aceitou que a escuridão que carrega dentro de si não é uma maldição mística nem tão pouco real. Depois de largar este peso no primeiro jogo, Senua embarca numa jornada em busca de vingança, mas também de cura, após o seu sacrifício metafórico em troca de Dillion. Sem o negrume que a prendia no primeiro jogo, Senua está mais leve, mas nem por isso solta de todo o peso que a afeta.

Para evitar que mais pessoas sofram o mesmo fado de Dillion e dos seus amigos, Senua embarca em direção à Islândia para pôr um fim aos raides vikings e acaba a tombar gigantes. Reais ou meras ilusões, servem de lição, uma alegoria para como os monstros existem, mas que no fundo não passam de pessoas, consumidas pelas suas emoções, pela raiva, fúria, arrependimento, ou dor.

É também uma árdua peregrinação pelo caminho da auto-aceitação de Senua, que se reflete também no nosso caminho, nos passos que damos para reconhecer quem somos e as nossas vulnerabilidades, e como às vezes temos de baixar os nossos muros para deixar entrar aqueles que nos rodeiam. Passo a passo, metáfora após metáfora, Senua caminha nesta estrada, obscurecida pela sua psicose, ao mesmo tempo que decifra aquilo que está disposta a fazer para proteger quem tem à sua volta.

Na minha interpretação, Hellblade explora a forma como a dor e a perda formam teias entre as pessoas. Se no primeiro jogo olhámos para dentro e mergulhamos no inferno do coração de Senua, o segundo mostra como a protagonista, Fargrímr, Ástríðr e Thórgestr estão feridos, vítimas de outros homens, e levanta os olhos para a condição humana, como criamos monstros, e como eles alimentam a escuridão do nosso coração, até que alguém coloque um ponto final no ciclo.

Hellblade 2 é a continuação natural do primeiro jogo, e esta ligação é tão importante e íntima, que não existe forma de os separar. Mais do que uma sequela, é o segundo capítulo de uma história que é deixada em aberto. Talvez para ser escrita mais tarde, ou para ficar a remoer na cabeça daqueles que experienciaram este brilhante jogo - tão cedo não sairá da minha.

Veredito

Senua’s Saga: Hellblade 2 é mais uma prova magistral do talento e engenho do Ninja Theory, que volta a erguer um mundo assustadoramente palpável, com um design sonoro do melhor que alguma vez experienciei. Ainda que o estúdio siga de perto a fórmula do primeiro jogo, Hellblade 2 é uma experiência absolutamente imperdível.

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Senua's Saga: Hellblade 2 - Análise

9
Incrível
Opressivo, sufocante e incrivelmente tocante: Senua’s Saga 2 é uma experiência curta mas intensa, que tão cedo não me vai sair da cabeça.
Senua's Saga: Hellblade II