Stellar Blade - Análise

Anjos na Terra.

Em tempos conhecido como Project Eve, Stellar Blade chegou a estar em desenvolvimento para a Xbox e PC, antes da Sony o agarrar para o transformar num exclusivo da PlayStation. Pelo caminho, a ambição do estúdio Shift Up cresceu e transformou-se num belo jogo de ação, que não esconde a sua maior influência, para o melhor e para o pior: Nier Automata.

Stellar Blade entra de rompante, com uma introdução explosiva e intensa que não só marca o ritmo a que ambiciona, mas que também estabelece a premissa narrativa: A Terra foi invadida por alienígenas conhecidos como Naytiba que quase aniquilaram a humanidade e cuja esperança de sobrevivência reside agora nos membros do esquadrão aerotransportado, a quem os sobreviventes apelidam de anjos e que se dedicam ao extermínio destas criaturas. Se já jogaram Nier Automata, isto vai soar certamente familiar e este é o primeiro dos muitos paralelismos entre os jogos. Não foi à toa que Yoko Taro e Hyung-Tae Kim se juntaram recentemente para falar sobre Stellar Blade e trocar elogios entre si.

Sem tempo a perder, Stellar Blade coloca-me á frente de uma pequena horda de criaturas para aprender os preceitos básicos do combate. Entre combos que juntam ataques rápidos e outros mais lentos, temos também um leque de habilidades poderosas – e bastante vistosas - que consomem recursos e que como tal exigem uma certa gestão. Sem uma barra de stamina que nos limite a agressividade, temos convite aberto para atacar incessantemente e ainda que na maior parte das vezes o ataque seja mesmo a melhor defesa, também é necessário evitar e bloquear os ataques adversários.

Nas primeiras fases do jogo, senti alguma dificuldade em encaixar o timing certo para evitar ou bloquear os ataques adversários, em boa parte devido a um certo atraso na animação do parry, mas isto tornou-se progressivamente mais fácil à medida que desbloqueei novas habilidades que tornaram o timing de bloqueio mais perdulário. Daí para frente as coisas tornaram-se bem mais acessíveis, fluídas e espetaculares, com animações especiais de cada vez que evitava um ataque adversário no tempo certo. Aqui, as animações de execução merecem menção especial - quando reduzimos a zero o equilíbrio dos inimigos, ou stagger, se quisermos usar um termo conhecido do mundo dos soulslike, podemos desferir um espetacular ataque especial, que não só inflige um enorme dano como também é toda uma coreografia de violência.

Os bosses também são merecedores deste tratamento e naturalmente não poderia deixar de assinalar o prazer que é ver Eve desferir um golpe fatal depois de várias tentativas frustradas para os derrotar - até porque na maior parte dos bosses, é mesmo necessário bloquear os seus ataques, o que aumenta consideravelmente o nível do desafio. Os bosses são o pináculo do combate de Stellar Blade, e é pena que não existam mais - até porque temos que enfrentar o mesmo boss mais do que uma vez.

Com um design grotesco, este boss fica na retina.

Ao longo da minha experiência com Stellar Blade, o combate manteve-se sempre interessante, embora não tenha evoluído de forma significativa. Começamos com maior parte dos combos normais desbloqueados e ao longo da aventura vamos desbloqueando novas habilidades Beta e Burst, que consoem recursos específicos, que por sua vez recebemos no decorrer das lutas quando infligimos ou recebemos dano ou evitamos ataques. Isto cria um ritmo constante que mantém a vivacidade dos encontros, forçando-me a ser inteligente na estratégia que uso para derrotar os adversários. Nas fases mais avançadas do jogo, com mais habilidades passivas desbloqueadas, esta gestão é mais fácil e permite-me desferir ataques especiais de forma muito mais liberal.

Quanto a melhorias e upgrades, a margem de manobra é algo curta. Por um lado, não há diferentes tipos de armas, o que pode decepcionar quem gosta de experimentar vários estilos de combate e o equipamento que podemos usar apenas concede bónus percentuais, como, por exemplo, mais velocidade de ataque, mais dano crítico ou dano em combos, o que não altera fundamentalmente a forma como controlamos Eve. Por outro lado, mantém as coisas simples e lineares, sem que seja necessário pensar muito numa build e acima de tudo, cometer o erro capital de construir a build errada.

Anjos na Terra

Com os pés assentes na Terra, temos pela frente um cenário desolador, repleto de ruínas e de vestígios do que outrora foi uma civilização avançada. Como já disse previamente e vou tornar a repetir, a influência de Nier Automata faz-se sentir no design deste mundo. Ainda assim, este não é um aspeto negativo, pelo menos nem sempre. Stellar Blade é composto por níveis lineares e duas zonas semi-abertas que oferecem experiências completamente diferentes.

As etapas lineares não fogem muito à regra do que já vimos em tantos outros jogos, com layouts relativamente simples, puzzles ambientais ligeiros e um tudo nada de tesouros para descobrir. Entre ruínas de cidades, estações de pesquisa abandonadas ou esgotos, os níveis de Stellar Blade têm segredos suficientes para nos manter interessados, com o ocasional quebra-cabeças que nos faz puxar um pouco mais pela cabeça, mesmo que nunca sejam demasiado complicado. O design destas níveis ganha outro destaque a partir do último terço do jogo, que diga-se de passagem, reserva o melhor conteúdo de Stellar Blade, em vários aspetos.

Foi precisamente nestes níveis que o Shift Up conseguiu alcançar momentos bastante cativantes. Em alguns deles não é possível usar ataques corpo-a-corpo, tornando Stellar Blade numa espécie de shooter na terceira pessoa com toques de survival horror. Mais uma vez, é um claro aceno a Nier, que o faz de forma absolutamente brilhante e ainda que Stellar Blade não esteja à altura desta musa, o esforço do Shift Up é notável. Na reta final de Stellar Blade o design dos níveis sobe a outro patamar, ganhando contornos mais criativos.

O detalhe dos níveis mais avançados do jogo é notável.

Stellar Blade contém duas zonas de mundo aberto, ambas enormes e escassamente preenchidas, o que se traduz em longas caminhadas, com a agravante de serem biomas bastante similares. Com a esmagadora maioria das sidequests a desenrolar-se nestas zonas, perdi conta ao tempo que perdi a correr para trás e para a frente, porque não é possível fazer Fast Travel sem antes desbloquear uma estação solar, que por sua vez apenas pode ser ativada após completar uma missão específica. Percebo que a intenção dos produtores tenha sido a melhor, mas este empurrãozinho acaba por se tornar numa frustração desnecessária. Outro aspeto que parece ter ficado esquecido pelos produtores é a possibilidade de deixar marcadores no mapa - o que me levou a deixar para trás algumas caixas de tesouro, porque as encontrei antes das respetivas chaves e acabei por me esquecer da sua localização.

Já as missões secundárias que nos levam a percorrer estas zonas de uma ponta à outra também são bastante simples. Mecanicamente, a maior parte delas consiste em procurar objetos ou em derrotar um determinado inimigo. Muitas delas traduzem-se em recompensas que incluem itens ou fatos cosméticos (e há muitos para desbloquear), mas há outras que oferecem momentos narrativos mais relevantes - numa das minhas favoritas, tive de ajudar um andróide danificado a recuperar a sua voz, para poder voltar a cantar.

E já que estou a falar de cantorias, destaque também para a fantástica banda sonora de Stellar Blade. Diversa e cativante, consegue acentuar os melhores momentos do jogo, trazendo ao de cima a melancolia das ruínas de uma Terra destruída, ou a intensidade dos combates de bosses, passando de hinos pop com influência coreana a faixas que mais parecem ter saído do mundo do Nu Metal com uma dose extra de distorção e eletrónica. Pode-lhe faltar um fio condutor que a una, mas é inegável que a banda sonora de Stellar Blade fica no ouvido.

Do espaço aos esgotos, dos esgotos ao espaço

Sei que num jogo deste género a narrativa não é o ponto central, mas mesmo com isto em consideração, Stellar Blade falha em surpreender. Novamente, e perdoem-me a repetição, mas não o consigo evitar: os paralelismos com Nier: Automata fazem-se sentir outra vez, e da forma mais gravosa. Não querendo entrar em território de spoilers, a premissa inicial da narrativa de Stellar Blade assemelha-se em demasia a Automata, sem nunca a envolver nos restantes elementos do jogo da forma que Nier faz, nem com o crescendo brilhante da obra de Yoko Taro.

Também não é preciso muito para topar a léguas a grande reviravolta que o jogo reserva, os presságios são dolorosamente evidentes e mesmo que não assim não fosse, é difícil formar qualquer tipo de ligação com as figuras do jogo. Ainda que o design de todas as personagens seja excelente, nenhuma deles tem uma personalidade particularmente vincada - em particular Eve, que só mesmo na reta final demonstra um semblante de carácter. Não que as personagens secundárias tenham grande profundidade, mas nos poucos momentos que surgem no ecrã, conseguem mostrar mais personalidade que Eve.

Claro que este aspeto é facilmente posto de parte se estiveres mais interessado no gameplay e na componente visual de Stellar Blade. A qualidade dos gráficos é inegável e tal como mencionei anteriormente, a direção artística do Shift Up é de encher o olho, com o design das personagens a merecer destaque.

Eve não é a única que veste roupas reveladoras.

Muito se falou sobre Eve antes do lançamento do jogo. Quase toda a discussão não foi além de uma polémica manufaturada, fruto de quem procura desesperadamente inimigos imaginários ou um manto invisível de opressão, mas foi suficiente para tornar este aspeto num tópico difícil de ignorar. Eve e todas as outras personagens femininas adultas foram de fato desenhadas com padrões de beleza bastante atrativos - aliás, também não podemos dizer que Adam não é um tipo extremamente bem parecido. Eve é inegavelmente atrativa, mas isto não tem qualquer reflexão no gameplay. Acresce que a sua feminilidade nem sequer é tida em conta ao longo do jogo: esta dimensão de Eve apenas existe na ótica dos jogadores e está completamente alheia do jogo, como se pura e simplesmente não fizesse parte deste mundo pós-apocalítpico.

Claro que Stellar Blade está repleto de Fan Service. Volta e meia, somos brindados com uns ângulos curiosos e nada inocentes durante as cutscenes e evidentemente os fatos são um elemento incontornável do jogo. Complexos ou mais simples, discretos e práticos a mais reveladores, nota-se que houve uma grande atenção ao detalhe na criação destes fatos. Tenho a certeza de que muitos vão perder horas a fio à procura de todas estas peças, embora isto me tenha passado ao lado ao longo das 15 horas que precisei para chegar ao fim do jogo, tendo ficado com a suspeita que devem ser necessárias mais umas 15 horas para completar o jogo a 100%, isto sem considerar o modo difícil.

O Shift Up mostra que é capaz de coisas boas, mas fica demasiado preso a Nier: Automata em alguns momentos, correndo o risco de parecer derivativo. Ainda que incapaz de igualar a fantástica obra de Yoko Taro, Stellar Blade não deixa de ter momentos assinaláveis, que mostram o potencial latente do estúdio. Talvez por uma questão de inexperiência, Stellar Blade acaba por demonstrar inconstância, reservando o melhor que tem para oferecer para o terço final do jogo - que consegue fazer valer a pena os momentos mais morosos e aborrecidos que o precede.

Veredito

Ainda que com falhas, Stellar Blade não deixa de ser um esforço notável por parte do Shift Up, que teve aqui o seu maior desafio até agora. Fundamentalmente, Stellar Blade está bem conseguido nos seus elementos nucleares, pecando apenas na execução inconstante, que se traduz em zonas de mundo aberto aborrecidas e numa história desinteressante. O estúdio promete que a história de Eve não vai acabar aqui e pessoalmente espero ver o que irá ser capaz de alcançar no futuro.

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Stellar Blade

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Stellar Blade - Análise

7
Bom
Com um combate intenso, divertido e desafiante, Stellar Blade é um Hack 'n' Slash notável, ainda que nem todos os elementos do jogo consigam acompanhar o ritmo alucinante do combate.
Stellar Blade