Em meio à onda global de países que olham para as receitas das Big Tech e como elas se relacionam com a crescente crise do jornalismo, muitos estão se perguntando se e como as empresas de tecnologia devem compensar os veículos de notícias pelo jornalismo que circula em suas plataformas. Isso se tornou mais um ponto de ebulição na quente agenda brasileira de regulação de plataformas.

Propostas estabelecendo uma "obrigação de remuneração" direcionada às plataformas digitais começaram a surgir no Congresso Nacional na esteira da adoção pela Austrália do seu News Media Bargaining Code. A questão ganhou força quando o relator do PL 2630 (conhecido como "PL das Fake News"), Orlando Silva, apresentou uma nova versão do texto no início de 2022, incluindo um artigo voltado à remuneração de conteúdo jornalístico. Negociações posteriores transferiram esta proposta de remuneração para um outro projeto de lei, o PL 2370. As regras de remuneração nele previstas são semelhantes à versão atual de ainda outro projeto na Câmara dos Deputados brasileira (o PL 1354).

Embora as principais questões em disputa girem em torno de quem deve ser pago, pelo quê e como a remuneração será calculada, há uma questão implícita de base que merece análise mais aprofundada: Quais são os objetivos finais de fazer com que as plataformas digitais paguem pelo conteúdo jornalístico? As respostas daqueles que defendem a proposta incluem a reparação por uma exploração injusta da relação das Big Tech com os veículos de mídia, a correção de assimetrias de poder no mercado de distribuição de notícias on-line e a preservação do jornalismo de interesse público como parte essencial das sociedades democráticas.

Todas elas são prioridades importantes. Mas se o que queremos, no final das contas, é garantir uma arena pública vibrante, plural, diversa e democrática para publicar e discutir notícias e o mundo em que vivemos, há princípios fundamentais que devem orientar a forma como estruturamos e buscamos este objetivo.

Esses princípios são:

- Queremos que as pessoas leiam, compartilhem, comentem e debatam amplamente as notícias. Queremos também que as pessoas possam acessar os documentos e as informações que embasam as reportagens para melhor refletir sobre elas. Queremos que fontes de informação plurais e diversas prosperem. O acesso à informação e a liberdade de expressão são direitos humanos e fundamentais que as medidas que buscam fortalecer o jornalismo devem proteger, e não colocar em perigo. São direitos intrinsecamente relacionados à defesa do jornalismo como elemento fundamental das sociedades democráticas.

- Queremos fortalecer o jornalismo e uma mídia livre e diversa. A dependência excessiva das organizações jornalísticas em relação às Big Tech é uma realidade que precisamos mudar, em vez de reforçar. As respostas adequadas devem ter como objetivo criar alternativas para o papel de intermediário centralizador que poucas plataformas digitais dominantes desempenham no modo como as informações e as receitas são distribuídas. As soluções que enraízam esse papel e consolidam ainda mais a dependência do jornalismo em relação às Big Tech não são realmente soluções.

Mas antes de discutirmos as soluções que os formuladores de políticas deveriam adotar, aprofundemos um pouco mais nos problemas subjacentes que devemos enfrentar.

Como a indústria de publicidade digital abala a sustentabilidade do jornalismo

Já escrevemos um bom tanto sobre como as Big Tech desestruturam o modelo de negócios tradicional dos veículos de mídia.

Embora a indústria de tecnologia de anúncios (ad-tech) estremeça as bases de como os negócios ligados à publicação de notícias costumavam funcionar e isso afete o jornalismo como um bem de interesse público, mesmo no passado, a existência de veículos de imprensa prósperos não significava necessariamente um ambiente midiático plural e diverso. O Brasil é infelizmente, e historicamente, uma forte demonstração disso. A adoção de medidas estruturais para atacar a concentração de mercado provavelmente teria levado a uma história diferente. Mesmo que um cenário de jornalismo independente, diverso e de interesse público não resulte automaticamente de um mercado de notícias robusto, a correção de assimetrias e distorções neste mercado desempenha papel crucial em viabilizar um ambiente mais vigoroso para a sustentabilidade do jornalismo.

Quando se trata da relação entre as plataformas digitais e o jornalismo, a intermediação tecnológica da distribuição de notícias apresenta uma série de problemas. Eles começam com os incentivos das plataformas em manter as pessoas em seus próprios sites e aplicativos, ao invés de clicar no conteúdo em si, e vão além. Destacamos aqui alguns deles:

  • Drenagem de recursos de publicidade para plataformas digitais - Os intermediários de tecnologia embolsam uma grande parte do dinheiro que os anunciantes pagam para exibir anúncios on-line. Não é apenas o fato de que plataformas digitais, como o Instagram e a busca do Google, competem com veículos de mídia disponibilizando “espaços” para publicidade. Mesmo quando o anunciante exibe seu anúncio em um site de notícias, grande parte do dinheiro pago fica com os intermediários ao longo do caminho. No Reino Unido, um estudo da associação britânica de anunciantes ISBA mostrou que apenas metade do dinheiro gasto com anúncios chegava aos editores de notícias. Se na era analógica o principal intermediário que atuava para colocar anúncios nos meios de comunicação era uma agência de publicidade, atualmente existe uma intrincada cadeia ad-tech por meio da qual diferentes agentes também recebem sua parte.
  • Complexidade e opacidade do ecossistema de publicidade digital - O quanto estes intermediários recebem e como o ecossistema ad-tech opera não são perguntas simples de responder. O ecossistema de tecnologia de anúncios é complexo e opaco. O próprio estudo da ISBA enfatizou os obstáculos para encontrar dados consistentes e padronizados sobre seu funcionamento interno e o fluxo de dinheiro de publicidade ao longo da cadeia de intermediários. No entanto, há um aspecto crítico deste ecossistema que já chama a atenção: a posição dominante que Google e Meta ocupam na cadeia de tecnologia de anúncios (cadeia ad-tech).
  • Duopólio da cadeia ad-tech e abuso de mercado - Conforme explicamos aqui, a cadeia ad-tech opera por meio de leilões em tempo real que oferecem espaços on-line disponíveis para exibição de anúncios, combinados com a construção de perfis dos usuários em uma disputa pela nossa atenção. Essa cadeia inclui: uma "plataforma do lado da oferta" (SSP), que atua como corretora do veículo jornalístico, oferecendo espaços de anúncios (geralmente chamados de "inventário de anúncios") e a atenção dos usuários; uma "plataforma do lado da demanda" (DSP), que representa os anunciantes e os ajuda a gerenciar a compra de espaços para anúncios e a encontrar a impressão "mais eficaz" para a sua publicidade, considerando dados dos usuários; e um mercado para espaços de exibição de anúncios, onde a oferta e a demanda se encontram. Como observamos, há muitas empresas que oferecem um ou dois desses serviços, mas o Google e a Meta oferecem os três. Além disso, ambas as empresas também competem com organizações jornalísticas vendendo espaços para publicidade no YouTube ou no Facebook e Instagram, respectivamente. O Google e a Meta representam compradores e vendedores em um mercado que eles controlam, cobrando taxas em cada etapa do processo e manipulando os lances em benefício próprio. As duas empresas enfrentaram investigações de conluio ilegal para manipular o mercado a seu favor, protegendo o domínio do Google em troca de tratamento preferencial para a Meta. Embora as autoridades tenham decidido não levar adiante esse caso específico, outras investigações e medidas contra suas condutas abusivas no mercado de tecnologia de anúncios estão em andamento.
  • Tornar o jornalismo dependente da publicidade de vigilância - Negociar a atenção da audiência não é algo novo na forma como o mercado jornalístico opera. Porém, um sistema integrado e implacável de rastreamento, criação de perfis e direcionamento seletivo de usuários surgiu em nossa era digital com a ascensão da principal forma de fazer negócios das Big Tech. Todo um setor de publicidade comportamental foi desenvolvido com base nas promessas e nos perigos de fornecer mais valor com base na vigilância massiva de nossas características, relações, movimentos e interesses inferidos. As grandes empresas de tecnologia dominam esse território e o moldam de forma a manter os veículos de mídia reféns de seus artifícios. Estabelecer uma relação de dependência do jornalismo com a publicidade de vigilância é um acordo que serve à consolidação de algumas poucas empresas de tecnologia como intermediários essenciais da publicidade on-line, uma vez que esta não é uma estrutura trivial de se construir e manter. Tal estrutura também é diretamente abusiva para usuários e usuárias, que são continuamente rastreados e perfilados, alimentando um círculo vicioso. Não deveríamos precisar de vigilância comportamental generalizada para que o jornalismo prospere.

Todos esses problemas estão ligados à exploração injusta pelas Big Tech de sua relação com os veículos jornalísticos. Mas nenhum deles é uma questão de direitos autorais. O direito autoral é uma moldura inadequada para lidar com as preocupações relativas à sustentabilidade do jornalismo. A abordagem do direito autoral para a luta entre o jornalismo e as empresas de tecnologia se baseia na suposição de que os jornalistas e os meios de comunicação, como detentores de direitos autorais e conexos, têm o poder de licenciar (e, portanto, controlar e bloquear) a citação e a discussão das notícias do dia. Esta lógica ameaça o primeiro princípio fundamental que apresentamos acima, pois prejudicaria tanto a livre discussão de notícias quanto o próprio fazer jornalístico. Propostas ligadas ao direito autoral também pretendem criar uma dinâmica de remuneração que rastreie e meça o "uso" de conteúdo jornalístico relativo a cada detentor de direitos, para que cada um possa receber a compensação correspondente. Mesmo quando não estão explicitamente vinculadas à legislação de direitos autorais, as propostas de remuneração jornalística baseadas no "uso" do conteúdo noticioso apresentam muitos desafios. Os arranjos de remuneração na Austrália apresentam resultados mistos, com várias questões decorrentes deste e de outros problemas que descrevemos a seguir.

Por que o Brasil não deve seguir o código australiano ou outros modelos baseados no “uso” de conteúdo jornalístico?

O News Media Bargaining Code da Austrália é uma inspiração declarada para o debate no Brasil sobre um direito de remuneração do jornalismo, endossado pela grande mídia e por tomadores de decisão relevantes. De acordo com o modelo do código australiano, os acordos privados de remuneração entre empresas jornalísticas e plataformas digitais resultam do fato de tais plataformas disponibilizarem conteúdo jornalístico em seus serviços. A lei detalha o que significa "disponibilizar conteúdo", as condições que o Treasurer australiano deve seguir para designar as plataformas digitais que estão submetidas às regras da lei, os requisitos que as empresas jornalísticas devem cumprir para se beneficiarem das normas de negociação, as obrigações que as plataformas digitais designadas têm em relação às empresas jornalísticas registradas e os mecanismos de mediação e arbitragem no caso de ambas as partes não chegarem a um acordo.

Embora o Google e a Meta tenham firmado mais de 30 acordos durante o primeiro ano de vigência da lei, nenhum deles está realmente sob a alçada do código australiano. As movimentações estratégicas dos dois gigantes da tecnologia em relação à nova lei evitaram qualquer designação formal de plataformas digitais de acordo com as regras do Código (como James Meese observa no podcast “The Decibel").

Até o momento, o código australiano tem servido como uma ferramenta de barganha para que os veículos de mídia cheguem a acordos com o Google e a Meta fora das garantias da lei. Tanto pela redação do Código quanto pela prática de negociação que se desenvolveu, o modelo australiano traz um conjunto de lições que não devemos ignorar. A análise da professora Diana Bossio aponta algumas delas:

Primeiro, a falta de transparência dos acordos aprofundou os desequilíbrios entre veículos de mídia que competem por participação de mercado em um ecossistema já concentrado. Organizações menores e independentes, que não sabiam das quantias mais altas garantidas pelos grandes veículos, fecharam acordos por valores muito modestos e perderam profissionais importantes para grupos maiores que usaram a nova fonte de recursos para pagar salários acima da taxa normal de mercado. Em segundo lugar, as plataformas de tecnologia usaram os acordos para reforçar seus próprios produtos de notícias, como o "Google News Showcase", de acordo com suas prioridades de conteúdo e de negócios. Em terceiro lugar, o Google e a Meta são quem estão determinando, em última instância, o que é e quais veículos de mídia produzem o jornalismo de interesse público que deve receber pagamento. Como resultado, são eles que, na verdade, decidem os "vencedores e perdedores do setor de mídia australiano". Em suma, Bossio afirma que

A falta de transparência e de designação significa que as plataformas de tecnologia puderam agir no melhor interesse de suas próprias prioridades comerciais, em vez de [agir] no interesse do objetivo declarado do código de apoiar o jornalismo de interesse público.

O Online News Act do Canadá procurou resolver algumas das armadilhas do modelo australiano, mas tem enfrentado dificuldades para garantir sua aplicação. Tanto o Google quanto a Meta afirmaram que a lei é impraticável para seus negócios, e a Meta decidiu bloquear o conteúdo de notícias para todos que acessam o Facebook e o Instagram no Canadá. A empresa argumenta que as pessoas não acessam as plataformas da Meta para ver notícias e que a única maneira de "cumprir razoavelmente essa legislação é acabar com a disponibilidade de notícias para as pessoas no Canadá".

Ao deixar de disponibilizar notícias em suas plataformas, a Meta evade a obrigação de remuneração do Canadá. Essa é uma das armadilhas de basear um acordo de remuneração no "uso" de conteúdo jornalístico por plataformas on-line, como faz a atual minuta do PL 2370 no Brasil. As plataformas digitais podem simplesmente filtrar e remover as notícias. Se os legisladores responderem a isso obrigando-as a veicular conteúdo jornalístico para impedir este tipo bloqueio, eles podem cair ainda em outra armadilha - a de comprometer a capacidade das plataformas de remover conteúdo nocivo ou problemático segundo seus termos de uso. Mas as armadilhas não terminam aí. O "uso" de conteúdo jornalístico como base para a remuneração também é ruim porque:

  • Incentiva o conteúdo “caça-cliques”.
  • Termina por favorecer os meios de comunicação dominantes ou sensacionalistas.
  • Promove e aprofunda estruturas de monitoramento dos links e conteúdos compartilhados pelos usuários, o que gera preocupações relativas à privacidade e proteção de dados, bem como ligadas à concentração do mercado de tecnologia.
  • Enfrenta claras dificuldades para circunscrever o que é "uso", medir esse "uso" em relação a cada veículo jornalístico e supervisionar se a remuneração é compatível com a quantidade de conteúdo "usado".

O que devemos fazer, então?

Quais alternativas podem construir o caminho adequado a seguir?

Vamos relembrar os nossos princípios fundamentais para atingir o objetivo final de garantir uma arena pública vibrante, plural, diversa e democrática para a publicação e discussão de notícias e do mundo em que vivemos. Em primeiro lugar, as medidas destinadas a fortalecer o jornalismo não devem servir para restringir a circulação e a discussão de notícias. O acesso à informação e a liberdade de expressão são direitos humanos e fundamentais que essas medidas devem defender, e não ameaçar. Em segundo lugar, o fortalecimento de uma imprensa livre, independente e diversa implica a criação de alternativas para superar a dependência do jornalismo em relação às Big Tech, em vez de reforçá-la.

Embora o PL 2370 e o PL 1354 sejam vetores importantes para dar um passo adiante em direção à sustentabilidade do jornalismo no Brasil, sua redação atual ainda não atende adequadamente a essas preocupações.

Os projetos de lei seguem o modelo de acordos privados entre plataformas digitais e empresas jornalísticas com base no "uso" do conteúdo jornalístico. A definição do tipo de "uso" que gera esta remuneração frente às exceções de uso razoáveis tem sido complexa e bastante debatida. O receio de que esta abordagem acabe favorecendo apenas os grandes agentes, ou que o dinheiro não chegue aos jornalistas que estão de fato fazendo o trabalho, também impulsiona discussões. É preocupante o fato de não haver requisitos de transparência nos projetos de lei para tais acordos de remuneração. Os PLs não consideram as distorções de mercado que apresentamos acima. Da mesma forma, eles não exploram abordagens alternativas para o papel central de intermediação das Big Tech na forma como as informações e as receitas de publicidade são distribuídas. Na verdade, na forma atual, os PLs podem servir para consolidar este curso de dependência.

Combinando medidas estruturais de mercado e uma decisão de política pública para fortalecer o jornalismo, os tomadores de decisão brasileiros, incluindo o Congresso, deveriam:

  • Estabelecer restrições para que as empresas operem em duas ou mais partes da cadeia ad-tech. As grandes empresas de tecnologia teriam que escolher se querem representar o "lado da demanda", o "lado da oferta" ou oferecer o "mercado" onde ambos se encontram. Um projeto de lei nos Estados Unidos visa justamente coibir essa situação abusiva e pode inspirar a proposta legislativa brasileira.
  • Aumentar a transparência do ecossistema de tecnologia de anúncios e do fluxo de gastos com publicidade. Por exemplo, exigindo que as plataformas de tecnologia de anúncios divulguem os critérios subjacentes (incluindo números) usados para calcular as receitas de publicidade e a audiência, com o respaldo de auditores independentes.
  • Adotar outras medidas que possam reduzir o papel dominante das Big Tech como intermediárias das receitas que organizações jornalísticas recebem de anúncios ou de seus assinantes. Por exemplo, permitir que agentes menores participem de leilões em tempo real, incentivar soluções mais competitivas no ecossistema ad-tech e abrir o mercado de lojas de aplicativos. Atualmente, o Google ou a Apple embolsam 30% de cada dólar de assinatura ou micropagamento em aplicativos. Como observamos, a União Europeia e os EUA estão tomando medidas para mudar isso.
  • Partir das garantias do marco jurídico brasileiro de proteção de dados pessoais para barrar a publicidade de vigilância e retornar aos anúncios contextuais, que se baseiam no contexto em que aparecem, isto é, em qual artigo aparecem ou em qual publicação. Ao invés de seguir os usuários para direcioná-los à publicidade, os anunciantes contextuais buscam conteúdo relevante para suas mensagens e colocam anúncios ao lado desse conteúdo. Isso dispensaria a vantagem do grande volume de dados que as Big Tech desfrutam no ecossistema de anúncios.

As medidas acima podem ser suficientes para reequilibrar as assimetrias de poder entre as plataformas digitais e as organizações jornalísticas, especialmente considerando os grandes meios de comunicação. No entanto, o histórico do Brasil indica que isso, por si só, pode ser insuficiente para promover um cenário de jornalismo independente, diverso e de interesse público. A decisão de política pública adequada para atingir esse objetivo não é a de promover acordos privados e não transparentes com base no quanto as plataformas ou as pessoas "usam" as notícias. A meta política de fortalecer o jornalismo como um elemento decisivo das sociedades democráticas se traduz em uma decisão política de apoiar financeiramente seu desenvolvimento. Além de promover medidas estruturais de mercado, o poder público deve direcionar recursos para esse objetivo. Considerando as muitas prioridades de financiamento e as contingências orçamentárias, um caminho viável e sólido é usar a arrecadação de impostos dos agentes da cadeia ad-tech para criar um fundo gerenciado por um comitê independente e multissetorial. O comitê e a alocação de recursos obedeceriam a regras rígidas de transparência, critérios de representatividade e mecanismos de supervisão.

Com isso, a discussão sobre quem é pago, pelo quê e quais outras iniciativas devem ser financiadas a fim de construir um caminho de menor dependência entre as organizações jornalísticas e as Big Tech poderia ir muito além de acordos privados e ter este fundo como um catalisador amparado em diretrizes estabelecidas por lei. Isso também permitiria liberar o modelo de remuneração da pretensão problemática de monitorar o "uso" do conteúdo jornalístico como parâmetro de distribuição dos pagamentos.

A ideia de criar um fundo não é nova nos debates brasileiros sobre a sustentabilidade do jornalismo. Seguindo discussões globais, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) tem defendido a criação de um fundo considerando o modelo do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) brasileiro, que faz parte de uma política consistente de promoção do setor audiovisual no país. A ideia ganhou o apoio da Associação de Jornalismo Digital (AJOR) e de outras organizações da sociedade civil. Os agentes com poder de decisão no Brasil devem se basear na experiência do FSA para construir um caminho mais sólido ao jornalismo, implementando, claro, os freios e contrapesos necessários para prevenir riscos de captura e de ingerência indevida. Como notado acima, o recolhimento de recursos deve vir de uma parte relevante da tributação relacionada às receitas das empresas ad-tech, em vez do uso de conteúdo jornalístico. Além disso, a transparência, a supervisão pública e os critérios democráticos para distribuir os recursos estão entre os compromissos essenciais a serem estabelecidos para garantir um fundo de jornalismo participativo, multissetorial e independente.

Esperamos que as questões cruciais e as alternativas discutidas aqui possam ajudar a construir um caminho mais robusto no Brasil para a preservação do jornalismo frente ao papel dominante das grandes empresas de tecnologia.